Rita Lee: Uma ode da geração que bebeu de sua rebeldia
- Sâmya Mesquita
- 12 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de jun. de 2024
Em que ponto dispensamos a grandiosidade de nomes como Rita Lee e seguimos caminhos tortuosos de rebeldia sem causa?

Na manhã desta terça-feira (9), veio a público a notícia da morte de Rita Lee, a mãe do rock nacional. Ela faleceu aos 75 anos, na noite desta segunda (8). Rita enfrentava uma extensa luta contra o câncer de pulmão e faleceu em casa, em São Paulo.
Logo, pessoas que nem imaginava serem fãs da cantora tomaram o Feed das redes sociais com homenagens à cantora. E isso realmente me surpreendeu.
Como boa pertencente à geração Millennial, ouvi, desde cedo, os maiores hits de Rita Lee nas novelas da TV Globo: Lança Perfume, Doce Vampiro, Era Venenosa, Amor e Sexo… Era difícil passar pelo entretenimento sem conhecer a voz daquela mulher de cabelos vermelhos e óculos dos anos 60.
A questão é que, para muitos, não passou disso: uma senhora ainda mais venerada pelas gerações antigas do que pela atual. Hoje, no auge dos meus 32 anos e tendo ouvido de um tudo ao longo de idas e vindas culturais, penso: o que teria sido daquela geração de gravata no pescoço sem Rita Lee, com seu colar de LSD? O que teria sido desta jornalista que vai à Noruega em busca de folk pop sem a referência daquela que batia de frente a Ditadura Militar em rede nacional?
Mas vamos falar de descoberta racional. Foi em 2018 que ouvi, pela primeira vez, Panis et Circenses na voz de Rita, ainda em Os Mutantes. Confesso que foi tardio, mas pontual: em plena luta política que dominava as discussões no Facebook. E como foram pertinentes os versos “Mas as pessoas da sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer”... A gente não aprende na Universidade que a ironia precisava ser muito bem acurada em tempos de repressão. Depois veio Ovelha Negra, que contemplou a crise dos 28 com o melhor do trauma com os pais. E a chegada à casa dos 30 com Minha Vida, fazendo um balanço dos erros e acertos até aqui.
Logo, me perguntei: por que os mais jovens não deram tanto valor a Rita Lee, a não ser pelo incentivo direcionado de alguns pais? O que ela tinha de diferente de Charlie Brown Jr., que falava do quanto o jovem não era levado a sério? Ou de Pitty, que criticava a sociedade de consumo em detrimento da saúde mental?
Em que ponto dispensamos a grandiosidade dos nomes de outrora?
Longe de mim fazer como alguns mais velhos que eu e dizer que o antigo era bom. Se fosse assim, a própria Rita não teria colaborado com Anavitória em Amarelo, Azul e Branco. Talvez esse seja um grito de quem nunca se interessou em ir aos shows da grandiosa Rita Lee e, hoje, após sua morte, chora lágrimas de sangue pelo arrependimento. Mas pode ser mais do que isso: Rita era tão o espírito de nosso tempo que não a enxergamos como tal. Ela esteve à frente dos palcos falando de pautas importantes de uma forma que nós, Millennials, nunca sequer sonhamos, sentados em nossas poltronas vendo a MTV Brasil.
Rita Lee já era Rita Lee quando começamos a andar de skate na pracinha perto de casa achando que aquilo era o mais quebrador de paradigmas que um adolescente poderia ser. A Rainha do Rock já lotava shows e apontava o dedo do meio para policiais quando, no auge de um governo conciliador, achávamos que a maior melhoria que poderíamos fazer ao mundo era fechar a torneira da pia. E foi quando Rita já estava cansada de lutar por tantas batalhas que percebemos que o mundo era muito mais complicado que apenas gritar “chega de corrupção” em uma manifestação de 2013.
O que quero dizer é que, em algum ponto de nossa formação cultural, nos foi ensinado que rebeldia estava do lado de fora: nas roupas, no modo de agir, no tipo de música que se ouve… O silêncio político dos anos 1990 foi tão ensurdecedor que nos fez esquecer que nossos avós vibraram com o III Festival da MPB, de 1967. E a luta individualizada de nossos pais, trabalhadores, nos fizeram esquecer que, nos anos 2000, muita coisa ainda precisava ser feita. Esquecemos que precisávamos batalhar pelas nossas próprias causas.
Bem, acabamos deixando isso para a geração posterior, a Z, que dá um banho em LGBTs que tinham medo de sair na rua de mãos dadas.
Por isso demorei tanto a ouvir Rita Lee por conta própria. Por isso sua primeira biografia me incomoda tanto. Por isso chorei copiosamente ao saber de sua morte.
Nossa geração, que começou a escrever em monitores de tubo, ainda está lutando para encontrar seu lugar no mundo — isso inclui escrever análises sem muito sentido, como esta. Ficamos neste meio entre uma onda de jovens revolucionários e outra de adolescentes tão plurais que já chegaram batendo o pé na porta. E enquanto batemos palmas para o ativismo e a luta dos recém-adultos, corremos para as prateleiras virtuais em busca da fórmula do sucesso que Rita Lee já nos compartilhava há tempos, mas nós sumariamente ignoramos.
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